domingo, 11 de fevereiro de 2024

Estrangeira

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Faz dois meses, um dia e duas horas que eu não estou mais em Buenos Aires. Esses foram talvez os dois meses, um dia e duas horas mais sem sentido de toda a minha existência, mas é a mais pura realidade, e preciso enfrentá-la. Eu sempre dizia para mim mesma que o dia que eu partisse teria que ser por escolha própria, não por condições impostas pela vida. Eu achava que se fosse por escolha própria seria menos difícil e também achava que escolha própria não envolvia condições impostas pela vida. Mas aqui estou eu, após uma escolha própria inevitavelmente conduzida por condições impostas pela vida. E não tô achando que é menos difícil. Inclusive tô achando difícil pra caralho. 

Faz dois meses, um dia e duas horas que voltei a ser temporariamente brasileira e não poderia me sentir mais estrangeira nessa imensidão onde ninguém deixa dinheiro debaixo do saleiro do restaurante, onde o creme de leite não vira chantilly e onde latte se pronuncia latchi. Tudo é diferente, tudo é estranho, não se sente como voltar para casa, não sei explicar como se sente. E isso explica muito todas as caras feias que fiz nos últimos anos quando as pessoas me perguntavam se eu voltaria a morar no Brasil. 

Agora, sendo franca, não acho que sentir saudades de Buenos Aires seja algo totalmente justo. Quer dizer, eu sei que meu cérebro está tentando me pregar uma peça. Porque a saudade que sinto tem mais a ver com uma Buenos Aires que não existe mais, não com essa cidade convalescente dentro de um país que está se despedaçando e que somente lembra de relance o que um dia foi. 

Hoje sou uma dessas argentinas, ainda que postiça, que saíram do país e agora assistem tudo de longe com um misto de tristeza e alívio por não estar mais ali. Mas sobretudo com a esperança de que um dia as coisas melhorem, porque, verdade seja dita, quem morou uma vez em Buenos Aires está sempre esperando a oportunidade de voltar. Enquanto isso, tentamos encontrar medialunas e empanadas em cantos recônditos de onde quer que a gente esteja, sorrimos ao ver uma sucursal da Havanna e de vez em quando até saímos com a camiseta da AFA. 


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