segunda-feira, 17 de outubro de 2022

O dia em que dei uma carteirada

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Quando ainda a bandeira do Brasil ainda era cool

Eu achava que os causos curiosos sobre a minha vida de repórter de cultura tinham finalmente terminado, daí lembrei deste, que é basicamente um bônus track. Eu não era mais oficialmente uma repórter quando este caso ocorreu, e é exatamente isso o que faz dele merecedor de estar aqui. 

Eu já tinha contado outro viés desta mesma história aqui há muitos anos, mais precisamente em 2015, quando tudo tinha acabado de suceder. Porém, como o foco era diferente, acredito que vale a pena o resgate histórico


Em meados de 2015 eu morava em Buenos Aires havia poucos meses e estava obcecada com essa banda chamada Tan Biónica. Era uma banda odiada por todas as pessoas que eu conhecia, de modo que terminou sendo meu guilty pleasure. Um belo dia, decidi escrever sobre ela neste mesmíssimo blog e compartilhei o link no Twitter. 


O link do post chegou até uma moça chamada Beatriz, que leu o texto e imediatamente me mandou um direct. Beatriz morava em Mogi Guaçu, no interior do estado de São Paulo, e, de algum modo, era fanática pela Tan Biónica havia anos. 


Começamos a conversar e ela perguntou se eu iria a algum dos shows que eles fariam no Luna Park em setembro. Eu disse que não. Nem tinha passado pela minha cabeça. Primeiro porque eu não trabalhava, portanto, não podia ficar gastando dinheiro em show, e, segundo, porque se eu fosse, teria que ir sozinha, já que ninguém gostava deles para fazer o favor de me acompanhar.


Era uma série de quatro shows, quatro dias seguidos, que, na verdade, estavam marcados para dois meses antes, mas devido a um incidente que deixou o vocalista Chano hospitalizado, tiveram que ser adiados. Beatriz tinha comprado a passagem de avião e a entrada para um dos shows que ocorreriam no mês de julho, mas teve que cancelar tudo após o adiamento e não tinha planos de viajar nas novas datas.


— Mas a gente vai dar um jeito de você ir —  ela disse, determinada.


Nas semanas seguintes continuamos confabulando sobre como conseguir uma entrada para eu ir. Ela falou com uns amigos de Buenos Aires, fãs da Tan Biónica que ela conheceu justamente por causa da banda, mas não chegamos a nada concreto. 


De repente, surgiu uma ideia. O gosto musical de Beatriz por pop-rock em espanhol não se limitava somente  à Tan Biónica. Ela conhecia muitas bandas de vários países da América Latina e Espanha e costumava acompanhar notícias sobre elas. Foi quando descobri que existia um portal, que pertencia a um programa de televisão a cabo (do qual eu jamais tinha ouvido falar) especializado em música latina. Entrei em contato com o editor do site, que respondeu no mesmo dia. Eu estava planejando minha carteirada.


Me ofereci para cobrir o show da Tan Biónica totalmente grátis. Era um show importante, porque além de ser o primeiro do vocalista após o incidente, era também o começo da turnê do novo disco, de modo que ele gostou bastante da ideia. Principalmente porque não teria que pagar nem um centavo pelo conteúdo. 


Enquanto isso, eu já tinha feito uma investigação minuciosa para descobrir quem era responsável pela assessoria de imprensa da banda e já tinha conseguido até o e-mail da assessora, que se chamava Antonella. Escrevi dizendo que eu era uma jornalista brasileira, que estava colaborando com o portal em questão, e que estávamos interessados em cobrir o show para fazer a Tan Biónica ser conhecida no Brasil. De alguma maneira ela engoliu a história. Ninguém ia ler aquela cobertura, o site provavelmente tinha 57 visitantes mensais, mas ela não sabia disso.


Nessa altura, Beatriz tinha decidido mandar tudo à merda e comprou novamente passagens para vir a Buenos Aires. Iríamos juntas ao show. Ao menos isso era o que esperávamos, já que ela não tinha comprado entrada e estava confiando em seus amigos argentinos, que faziam parte de uma espécie de fã clube e garantiram que conseguiriam.


Chegamos no Luna Park no dia do show e, enquanto ela falava com seus amigos, fui até a administração do lugar perguntar pela tal Antonella. Chamaram a moça e eu me apresentei. Ela então me deu uma pulseirinha e disse que eu poderia entrar pela porta principal, ou seja, a porta por onde o público estava entrando. Fiz uma cara de quem não estava entendendo nada, uma cara de “como assim? Estou aqui para trabalhar”, e perguntei se não havia um lugar específico para a imprensa. Ela disse que não, mas que eu teria acesso ao setor de arquibancadas se eu quisesse. Aceitei e me dirigi até as arquibancadas para assistir ao show como uma senhora importante. 


No fim das contas acabei indo em duas datas, uma graças à carteirada e outra graças aos amigos de Beatriz. Em uma delas teve até participação do Fito Páez.


Escrevi o texto da cobertura no dia seguinte e enviei ao editor. Ele adorou e disse que deveríamos continuar trabalhando juntos. Depois, mandei o link para Antonella para demonstrar que afinal eu não era tão charlatã. 


Nunca mais falei com nenhum dos dois. Eu e a Beatriz, porém, continuamos em contato e nos vimos outra vez em Buenos uns dois anos depois. 



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