segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Eles querem continuar fazendo do jeito deles

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Não é incrível como o sistema, a sociedade, as pessoas e a vida por si só vão fazendo com que a gente aos poucos comece a defender cada vez menos o que a gente acredita? Pode soar desanimador, mas a essa altura da vida eu já até me resignei e meio que não sinto mais nada. 

A gente começa a vida adulta cheio de energia, com planos infalíveis para mudar o mundo, entra na faculdade cheio de perguntas, mil coisas passando pela cabeça, milhões de objetivos, zilhões de metas, ideias infinitas. A gente estuda, lê, vive, faz coisas, se mete em problemas, erra, acerta, têm experiências e quando finalmente surge a oportunidade de fazer algo novo, mudar o que não está bem, melhorar o está mais ou menos, evitar o pior, inventar o que não existe, vem o mundo e diz que não. E a gente insiste, a gente explica, a gente bate o pé, com toda aquela energia que só o jovem tem. Mas eles preferem fazer do jeito deles, com soluções que não funcionam, com ideias ultrapassadas que só fazem sentido na sua cabeça. 

Assim, por anos e anos até que a nossa paciência termina, a nossa juventude termina, e nosso desejo de não ter um burnout, crises de ansiedade e insônia crônica começa a ser muito mais forte que o desejo de mudar as coisas, de fazer que elas sejam melhores. Você só quer estar tranquila, tomar seu vinhozinho, escutar sua musiquinha, fumar seu beckzinho, dormir antes da uma e que a última preocupação que você tenha antes de apagar completamente é se o disco novo do Joji vai sair antes da turnê americana. 

Comigo, essa passagem da argumentação exaustiva ao foda-se aconteceu há uns dois ou três anos. Comecei a cansar de explicar sete vezes que um texto perde qualidade quando se repete a mesma palavra três vezes em cada parágrafo, que não vai vírgula entre sujeito e predicado, que “onde” se refere a lugar e não a uma situação, que postar um vídeo gravado com celular na cozinha de casa não vai ficar bom. 

Agora eu falo uma só vez, a modo de sugestão.

Quer colocar uma foto do Vin Diesel na apresentação de um webinar? Quer colocar só mulheres brancas numa campanha de cosméticos? Quer disparar oito e-mails por semana para a mesma base de dados? Quer apagar e voltar a publicar algo que já estava aprovado? Vai fundo, meu amigo. 

Lembro exatamente do dia em que fiz isso pela primeira vez. Meu chefe em uma agência, um dos piores que já tive, tinha aprendido o conceito de machine learning e acreditava que qualquer ferramenta poderia aprender e começar a fazer coisas automaticamente. Ele pensava que a plataforma que a gente usava para responder comentários de redes sociais poderia aprender quais respostas dar a determinadas perguntas através de palavras chave e responder automaticamente aos usuários. 

Eu expliquei que certamente existem plataformas com bots que fazem isso, mas que era muito mais complexo e caro e que a ferramenta que a gente usava realmente só servia para organizar e controlar perguntas e respostas, fazer relatórios, guardar respostas prontas e enviá-las com a ajuda de um ser humano dependendo de qual fosse a pergunta. Ele disse que a gente podia tentar, ir pesquisando maneiras de fazer isso com aquela ferramenta, que a gente não podia ter preguiça de fazer as coisas. Eu só respirei e disse “tá bom, vou pesquisar a respeito” e voltei para a minha mesa. 

Depois disso, ele deve ter tocado no assunto uma só vez e esqueceu completamente da ideia. Ao menos durante o pouco tempo em que eu ainda permaneci ali. Depois dessa experiência, entendi que dizer “tá bom” era muito mais fácil, muito mais saudável, que eu não ia ganhar nada tentando argumentar a tarde inteira com aquela pessoa e ia ter muito mais trabalho reunindo evidências de que aquela plataforma não funcionava daquela maneira.

Foi obviamente um caminho sem volta. A partir de aí, se meu nome não aparece, se o trabalho não está assinado, se eu não sou considerada a principal responsável por aquilo e minha opinião não é levada em conta, já não me importa nada. O salário cai igual e minha pele tem até mais viço. 



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