viernes, 8 de julio de 2022

Por que procriar está cada vez mais longe da minha realidade

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Quando eu tinha vinte anos e já estava completamente convencida de que não queria ter filhos “nem agora nem mais pra frente”, não houve um ser humano que não tenha me dito que eu ia mudar de ideia quando fosse mais velha. Todos achavam graça e não era nenhum tabu uma mulher nessa idade dizer que não queria ter filhos, porque simplesmente interpretavam que o que eu dizia era mentira, uma falácia, uma ideia passageira. Foi assim mais ou menos até os 26 ou 27, quando lembro claramente de ter reprovado em uma entrevista de emprego por ter respondido que não queria ter filhos, além de não ter demonstrado demasiado interesse no fato de que uma das mulheres que estavam me entrevistando tinha parido havia uns meses. Não fiquei triste, preferia trabalhar em um lugar onde ninguém se importava se eu queria ou não ter filhos e se os bebês alheios me pareciam ou não a coisa mais linda e interessante do mundo. 

Apesar de o assunto ter evoluído e de muitas mulheres estarem escolhendo não ter filhos ou tê-los mais tarde, ninguém me convence que não é mais um tabu uma mulher de 30 anos dizer que não quer ter. Porque é. Eu não me importo, mas é. É tão tabu que quando vejo uma mulher da minha idade ou mais velha dizendo abertamente que não quer ter filhos me sinto menos estranha. A maioria das que não querem tem receio de admitir ou acha que vai terminar mudando de ideia nos poucos anos que restam de fertilidade. E algumas até mudam, às vezes por medo de se arrepender depois. Outras inclusive congelam óvulos com a ideia que, sei lá, talvez perto dos 50 receba o tal chamado.  

Por sorte, as pessoas próximas a mim não têm nenhum interesse na minha não-gravidez, de modo que não é um assunto que me causa incômodo. Ao menos não tão frequentemente. A maternidade não é uma questão na minha vida e quanto mais aniversários eu faço, mais me parece algo fora da minha realidade. Não consigo pensar em razões suficientes para colocar outro ser humano no mundo, e nem sequer me refiro a razões que beneficiem a mim mesma, mas à própria pessoa por nascer. No entanto, tenho muitas para não fazê-lo. 

1- Quem realmente tem coragem de trazer uma pessoa a um mundo que está literalmente acabando? Sim, porque o mundo está acabando e não falo só das mudanças climáticas ou dos recursos naturais, mas de como as coisas parecem avançar e logo retroceder na mesma medida. Como humanidade, cada dia perdemos mais o direito de viver e ter uma vida razoável e estamos mais perto da miséria. Teoricamente, hoje podemos ser livres, podemos ser mulheres independentes e estar em cenários que há algumas décadas eram inimagináveis. Na prática, somos violentadas a todo momento e de todas as maneiras possíveis. Na teoria também podemos ser gays, lésbicas, trans, não-binários, mas nunca sem medo de andar na rua, nunca a salvo da violência, nunca sendo tratados como seres humanos. 

2 - Não tenho dinheiro para dar a uma criança tudo o que ela precisa para ser um adulto realizado. Eu mesma tive só o básico e para mim o básico não é suficiente para uma criança. Amor e uma mamadeira de fórmula é muito pouco para que ela tenha saúde e possa se desenvolver psicologicamente e intelectualmente e estar preparada para a vida adulta sem sofrer absolutamente todos os dias da sua vida. Não é suficiente para que ela possa ter oportunidades, aproveitar cada uma delas e ter uma vida minimamente confortável.

3 - Quem tem tempo para ter filhos hoje em dia? A menos que você seja herdeira ou tenha um companheiro milionário, suponho que seja preciso trabalhar oito horas por dia, cuidar da casa, ir ao supermercado, ao médico e fazer todas as coisas que uma pessoa sem filhos já tem que fazer naturalmente. De todos modos, não tenho certeza se mães têm direito a lazer, diversão, descanso, cuidados pessoais e manutenção da saúde mental.

4 - Ainda que eu não escolhesse ter um filho sozinha e o pai fosse presente, a carga seria toda minha. Eu sei que no meu caso seria assim e que no da maioria também é. Porque eu sei que se eu eventualmente não trocar uma fralda, por exemplo, vou ter que responder onde estão as fraldas, onde estão os lenços umedecidos, como se troca a fralda, como se limpa o bebê, onde se coloca a fralda suja. Ainda que eu possa ficar sentada no sofá enquanto o pai supostamente faz a sua parte eu vou ter o usar o meu cérebro para que ele não tenha que usar o dele jamais e ainda achar que está dando uma grande mão. 

5 - Eu não sei se estou disposta a renunciar a minha vida para cuidar de outra. Eu sei que uma mãe nunca deixa de se preocupar com um filho, tenha ele 3 anos ou 45. Eu já acho bastante complicado conseguir sobreviver sozinha em um mundo onde eu não sei até quando vou ter um emprego, até quando vou ter dinheiro para alugar um apartamento, para me alimentar e me vestir, imagino então ter que administrar toda essa insegurança que é viver os dias de hoje cuidando também de outra pessoa, que é inteiramente responsabilidade minha. 

6 - Não consigo ser tão egoísta a ponto de parir alguém nas condições de vida que eu não considero ideais somente por capricho. E com capricho quero dizer, esperar que ele cuide de mim quando eu estiver velha, perpetuar meu DNA ou esse tipo de coisa que só gente imbecil pensa. 

E por último, porém não menos importante, deus me livre passar esses braços gordos adiante. 


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