viernes, 4 de marzo de 2022

Eu também posso dizer que música me salvou?

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Sempre achei muito bonita essa apreciação de “a música me salvou”, que muita gente conta, sobretudo músicos. Eles descobriram a guitarra ou qualquer outro instrumento na adolescência e aquilo basicamente mudou tudo. Apesar de amar música e de minha vida girar muito em torno dela desde a adolescência, eu não toco nada, mal e porcamente um pouco de piano. Não por falta de tentativa. Depois de um tempo eu simplesmente passei a acreditar que a música não me queria. 

Vai fazer bolo ou plantar suculentas, provavelmente era o que a música pensava de mim. 


Mas daí eu me dei conta, não faz muito tempo, que apesar da minha torpeza com instrumentos e da extinção do jornalismo musical, que era para onde eu queria ir depois de tanto fracasso, a música também me salvou. 

Provavelmente tudo tenha começado no final de 2004, um pouco antes de eu fazer 15 anos. Meu primeiro namorado tinha terminado comigo depois de sete ou oito intensos meses de relação. O pé na bunda aos poucos foi me fazendo odiar homens, pessoas, relacionamentos, padrões, regras e tudo o que era considerado normal. Fui ficando com preguiça de querer agradar todo mundo, de querer ser amiga de todos, inclusive de gente que me tratava como lixo, de querer que todo mundo gostasse de mim, fazer parte de todos os grupos, encaixar em tudo. Percebi que aquilo que eu acreditava que era minha personalidade na verdade era eu agindo no modo automático, fazendo o que todo mundo fazia, sem pensar se eu realmente gostava daquilo. A música que eu escutava, o modo como eu me vestia, os lugares que eu frequentava. Lembro que já gostava de rock, mas como quase ninguém mais gostava, acabava escutando o que o resto das pessoas escutava, indo aos lugares que o resto das pessoas ia, vestindo o que vestiam absolutamente todas as meninas da minha idade.

Naquele momento de profunda consternação pós-termino, a música me ajudou a descobrir que eu não precisava agradar ninguém e nem fazer parte de grupos que eu não tinha a menor identificação, mesmo que isso dependesse andar com apenas dois ou três amigos que entendiam quem eu era. E foi meio que uma retroalimentação. Enquanto eu me desfazia das coisas que não tinham mais sentido para mim e me aferrava às minhas roupas pretas de corte reto e CDs piratas de hardcore e heavy metal de gosto duvidoso, fui conhecendo gente mais parecida comigo. Ganhava CDs gravados no Nero com músicas do Sum 41 e Blink 182, recebia dicas de bandas que eu poderia gostar, aprendia como baixar músicas na internet e passava o dia inteiro assistindo MTV para aprender algo e não passar vergonha na frente dos meus novos amigos. 

As pessoas que eu fui conhecendo e me relacionando a partir desse momento faziam eu me sentir mais confortável na minha pele. Não faziam piadas a respeito do meu corpo, sobre como as outras meninas de 15 tinham muito mais peito que eu, não se importavam com roupas de marca e nem achavam o máximo andar em um Corsa rebaixado com luzes neon. A gente conversava basicamente sobre música. Se a gente falava sobre roupa, era sobre camisetas de bandas e cintos de rebite. Se a gente falava sobre cabelo, era sobre tingir os nossos das mesmas cores que o Billie Joe, o Tré Cool e o Mike Dirnt tinham nos anos 90. Se a gente combinava de sair, quase sempre era para ver alguma banda, nem que fosse um cover de Bon Jovi no salão paroquial da Vila Sulina, que era o que tinha onde a gente morava. 

A música em si e o que ela foi me trazendo naquele momento definiu quem eu era, do que eu gostava, o que eu queria fazer, o que eu queria ser quando crescesse. Se não fosse a música ter me tirado da inércia, do comportamento padrão, das escolhas que não eram escolhas, eu provavelmente nunca sabería quem eu sou de verdade (muito embora talvez tivesse casado com um dentista endinheirado e em vez de escrever isso estaria gravando um boomerang de biquíni na piscina).


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