segunda-feira, 6 de abril de 2020

Quarentena dia: eu não sei que dia é hoje


Eu não sei mais há quanto tempo estou trancada em casa. Não estou escrevendo isso para que alguém leia. Ou melhor, sim. Estou escrevendo isso para que uma pessoa leia. Eu. Eu mesma. Daqui a alguns meses ou anos.

Estou um pouco paranoica. Esses dias desci para buscar um creme Avène caríssimo que comprei por Mercado Libre e eu acho que coloquei a mão na boca depois de abrir a porta do elevador. Em Buenos Aires precisamos usar as mãos para abrir a porta dos elevadores na maioria dos edifícios. Passo desinfetante nas maçanetas, nos interruptores, nas chaves, nas torneiras. Às vezes me preocupo com algumas coisas que fiz sem querer, tipo voltar do supermercado e deixar a roupa que usei amontoada num canto do quarto. Quando cozinho penso se realmente tinha desinfetado o saco de arroz antes de guardar. Lavo as mãos. Lavo as mãos de novo. E de novo. Uma vez mais.

Acordo e penso se vou ser demitida hoje, amanhã, semana que vem ou um dia antes de completar os três meses de experiência. A empresa em que trabalho depende do turismo, dos restaurantes, do cinema, dos teatros, de vários lugares que estão fechados há semanas.

Eu quero sair. Quero dançar no The Roxy. Quero jantar num restaurante. Quero comer cheesecake em um café. Quero voltar ao pilates. Quero ir a um bar com minhas amigas. Quero fazer festinha em casa com meus outros amigos. Quero caminhar pela Cabildo. Quero ir a San Telmo. Quero ir ao Centro Cultural Recoleta. A um museu. Ao Colón. Quero ver um show do Bándalos Chinos. Quero parar de ler notícias sobre o coronavírus 90 vezes por dia.

Mas nem tudo é assim tão ruim neste isolamento. Eu sou uma pessoa que naturalmente gosta de ficar em casa, então talvez eu sofra menos que os que precisam rebolar a raba todos os dias na rua. Uma das coisas que mais gostei foi o home office. Eu não fiz amigos no meu novo trabalho - inclusive existe a chance de que alguns colegas me odeiem - então não sinto falta de estar lá. Minha presença nem sequer é necessária lá. Trabalho para seis países diferentes e isso só é possível adivinhem como? Isso mesmo, por chat ou call. Nem meu chefe mora no mesmo país que eu. Com home office eu aproveito melhor o meu tempo. Não tenho filhos, nem cachorro, nem gato, nem pais morando comigo, só tenho que me esquivar do Javier me mostrando memes pessoalmente todos os dias. Fora isso não tenho interrupções e as coisas fluem bem.

Com o isolamento eu também comecei a fazer exercícios físicos em casa praticamente todos os dias. Claro que não estou emagrecendo, porque quem consegue parar de comer estando em casa 24 horas por dia, 7 dias por semana? Mas me sinto melhor quando me exercito.

Outra coisa inacreditável que ocorreu neste período é que voltei a escrever meu livro, um livro que provavelmente nunca será publicado, mas que para mim é muito necessário. Antes da quarentena tinha umas 16 páginas escritas e fazia meses que não abria o arquivo. Agora ele tem fucking quarenta páginas. Espero não parar depois que a vida voltar ao normal.

Também estou vendo muitos filmes, na última semana vi praticamente um por dia, lendo um pouco mais que o normal e voltei a escutar mais música. Sim, eu andava sem escutar música por vários dias seguidos antes do isolamento.

Algumas coisas, no entanto, estão sendo um pouco decepcionantes. Quero dizer, eu estou sendo decepcionante com algumas coisas. Estou tocando menos piano que antes e meus estudos de francês continuam tão parcos quanto antes. Com isso quero dizer que ainda estou somente com aquela coruja desgraçada.

Por último, outro ponto positivo foi que, como não há vida social, finalmente tive coragem de gastar mil pesos num gin Beefeater Pink que eu queria faz tempo.

Supostamente esta é a última semana de isolamento total na Argentina e logo as coisas vão voltar a funcionar gradualmente. Espero que nem tudo volte ao normal. O normal nem sempre é tão massa.

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